Desigualdade racial nas eleições municipais

Por: Lucas Ribeiro Scaldfaferri*, de Fortaleza, CE

Estamos chegando à reta final das eleições municipais e precisamos falar de racismo. Nessa pequena reflexão não queremos falar das políticas públicas antirracistas que os candidatos deveriam apresentar nestas eleições. Queremos falar sobre representatividade de candidaturas negras para as Prefeituras e Câmaras Municipais.

O Brasil é um país racista. Essa afirmação ainda causa polêmica e discordâncias em grande parte da sociedade. A falsa ideia que somos uma democracia racial, ou seja, um país miscigenado e harmonioso, ainda tem grande força e impede que possamos analisar a sociedade brasileira de conjunto, observando como o racismo é estruturante para as relações da exploração capitalista.

O censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que pela primeira vez o número de auto declarações de brancos caiu de 53,7% para 47,7% (91 milhões de brasileiros) e cresceu de pardos, 38,5% para 43,1% (82 milhões de pessoas), e pretos de 6,2% para 7,6% (15 milhões).  Através do censo do IBGE se sabe que os brancos já são minoria no país. Quer dizer, não nas instâncias da política institucional.

Você sabia que em 45% das cidades brasileiras somente brancos disputam as eleições para prefeito? Isso significa que em quase metade dos municípios brasileiros os próximos prefeitos serão brancos. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e é a primeira vez que o eleitor saberá como os candidatos se reconhecem quando o assunto é cor e raça em eleições municipais.

O levantamento de dados referente a autodeclaração de candidatos a prefeito e vereador demonstram o quanto a política representativa ainda é um espaço ocupada majoritariamente por brancos. Segundo o TSE, mais da metade dos candidatos a prefeito e vereador são brancos, 51,46%, enquanto que aqueles que se declaram pardos são 39,12% e os pretos são apenas 8,64%. Amarelos e indígenas não chegam nem a 1%, sendo respectivamente 0,44% e 0,35%.

Em São Paulo, maior cidade do país, dos onze candidatos a prefeito, dez se autodeclararam brancos e um se declarou pardo. Para a Câmara paulista, a situação não é diferente, 874 brancos concorrem para as vagas para vereador contra 266 pardos e apenas 167 pretos. Para cada candidato preto, temos cinco brancos.

Na segunda maior cidade do país, Rio de Janeiro, a situação se repete. Temos dez candidatos que se autodeclaram brancos e apenas um preto. Segundo o jornal Estado de São Paulo, o Rio de Janeiro, onde os brancos são minoria da população, 47%, têm 79% dos candidatos a prefeito brancos.

No Nordeste, região que segundo o IBGE tem a maior concentração de negros no país, o racismo também se expressa na lista de candidatos das principais capitais. Em Fortaleza, nenhum dos candidatos se declarara preto, cinco disseram ser brancos e dois pardos. Na capital pernambucana, dois candidatos disseram ser negros e seis afirmaram ser brancos.  Em Salvador, cidade conhecida pela negritude, dois candidatos se declararam negros, três pardos e dois brancos. São Luís é a cidade com o maior número de candidatos pretos, três no total, três pardos e três brancos.

Nas eleições de 2014, dos 12 candidatos a presidente apenas um declarou ser negro e todos os outros como brancos. Naquele ano, 56% dos candidatos que disputaram eleições se declararam brancos e conseguiram ocupar 75% dos cargos em disputa. Isso fez com que a Câmara dos Deputados fosse ocupada por 80% de pessoas brancas e o Senado Federal por 82% dessa mesma raça, de acordo com dados divulgados no jornal Estado de SP.

Através do banco de dados do TSE, constatamos que hoje não existe representatividade de mais da metade da população brasileira, pretos e pardos, em cargos majoritários, ou proporcionais. Nessas eleições municipais, o mais provável é que a direita tradicional se fortaleça e eleja a maioria dos candidatos a prefeito e vereador, fazendo com que a proporção de brancos eleitos em detrimento de negros seja igual, ou superior à eleição de 2014. Para se ter ideia, os partidos da coalizão que deflagraram o golpe institucional (PMDB, PSDB e DEM) e derrubaram a presidente Dilma Roussef (PT) são os que tem mais de 70% de candidatos brancos nessas eleições.

A democracia liberal brasileira é tão falsa como a democracia racial. Para a primeira, negros e negras só interessam como eleitores, como aqueles que garantam os mandatos da elite política. Para a segunda, não existimos como povo negro, pois somos uma nação miscigenada, mas quando vamos ver os eleitos, a maioria se autodeclara branca, fazendo com que a arena institucional seja uma representação distorcida da realidade social.

Alguns irão dizer “Não basta ser negro”. É verdade. Precisa ser negro, anti-capitalista e contra todas as formas de opressão. Mas, o problema é que a população negra continua fora da política institucional. Não podemos fugir do debate e não dar nome aos problemas, estamos falando de racismo.

*da comissão de negras e negros do MAIS de Fortaleza, CE