Feminismo classista: reflexão e resgate histórico na militância de Pagu

Karina Lourenço*, do ABC, SP

A história é feita de fluxos e refluxos, ascensos e períodos de retrocesso, no palco impreciso da luta de classes a análise científica recente-se do inexato controle dos acontecimentos. Assim, entra em cena a artista, a heroína, a personagem, nos arrancando do lugar comum, nos incendiando com o fogo revolucionário que nasce das entranhas de quem ousa ser uma obra-vida.

Pagu foi mulher, militante e artista, teve a ousadia de atravessar sua época. Digo atravessar, pois de fato, ainda é atual seu discurso na luta contra o capital, ainda é vibrante seus signos simbólicos e icônicos, são atemporais seus gestos e posicionamentos frente à vida. Continua, assim, a inspirar a luta de classes, a luta da mulher proletária.

Com 23 anos, no ano de 1933, escreve o primeiro romance proletário feminista, Parque Industrial, inaugura o realismo social no Brasil, denunciando pela primeira vez a dura e opressiva realidade da mulher proletária, moradora do bairro operário do Braz. Personagem não fictício, do nascente proletariado industrial de São Paulo, escolhe precisamente a mulher, a operária, a prostituta para ser a voz da exploração e opressão do sistema capitalista.

Pela primeira vez, diz que a luta das feministas necessita do recorte de classe, ironizando os grupos burgueses feministas de sua época, com bandeiras apontadas apenas ao sufrágio universal feminino:

-Se a senhora tivesse vindo antes, podíamos visitar a cientista sueca…

-Ah! Minha criada se atrasou. Com Desculpas de gravidez. Tonturas. Esfriou demais o meu banho.

Também já esta na rua!

O garçom alemão, alto e magro, renova os coquetéis. O guardanapo claro fustiga sem querer o rosto de Mademoiselle Dulcinéia. A língua afiada da virgenzinha absorve a cereja cristal.

– O voto para as mulheres esta conseguido! È um trunfo!

-E as operárias?

-Essas são analfabetas. Excluídas por natureza.¹

Depois de 83 anos, ainda estamos sob a órbita social da divisão de classes, escancarada em Parque Industrial. Vivemos um período de ataques e retrocessos draconianos nas leis trabalhistas anunciadas pelo governo, serão arrancadas conquistas históricas da luta de classes, se não houver mobilização conjunta de todos nós.

Como a personagem burguesa, descrita na passagem acima, infelizmente a classe dominante e todos que estão incorporados no seu espectro não serão prejudicados como a mulher trabalhadora.É ela que sofrerá os maiores prejuízos com a flexibilização trabalhista, com a falta de creche, com o sucateamento da educação e a carestia de vida. Um país que tem o segundo maior contingente de trabalhadoras do lar do mundo, demonstra o quanto é preciso avançar no combate a essa lógica colonial e patriarcal. Ousar e utilizar-se mais de elementos ‘pagunianos’ de caracterização da realidade que nos cerca, talvez seja uma opção.

 

Bibliografia Recomendada

Parque Industrial.São Paulo: EDUFSCAR,1994- Patrícia Galvão.

CAMPOS,Augusto (org).Pagu Patrícia Galvão.Vida e Obra. São Paulo: Brasiliense, 1982.

 

* Karina Lourenço é militante do Coletivo Feminista Claudia da Silva