Lava Jato: dois pesos e duas medidas

Brasília- DF 04-08-2016 Juiz Sergio Moro na comissão especial de combate a corrupção. Foto Lula Marques/Agência PT

Silvia Ferraro

Feminista e educadora, covereadora em São Paulo, com a Bancada Feminista do PSOL. Professora de História da Rede Municipal de São Paulo e integrante do Diretório Nacional do PSOL. Ex-candidata ao Senado por São Paulo. Formada pela Unicamp.

Por: Silvia Ferraro, colunista do Esquerda Online

O senso comum é de que quem comete um crime deve pagar por ele. O senso comum também considera que a Justiça é uma instituição imparcial, que investiga, julga e pune. A imagem da mulher vendada que não pende a balança de acordo com nenhum outro interesse a não ser desvendar a verdade e fazer a ‘justiça’.

Porém, essa justiça neutra é irreal. Esse Estado acima do bem e do mal não existe. Como nos diz e demonstra Engels, “O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo irreconciliável das classes” e essa premissa é o que nos faz desconfiar, questionar, duvidar, de qualquer ação deste Estado que em última instância representa os interesses da classe social que o domina econômica e politicamente.

O mito da neutralidade da Justiça é agora utilizado em larga escala pela operação Lava Jato com nítidos interesses políticos. Há dois anos a Lava Jato exerce no país um poder mitológico. Sérgio Moro foi alçado como o paladino da moral. Performances midiáticas a cada operação conjunta entre a Lava Jato e a Polícia Federal, sempre acompanhada, é claro, de ampla divulgação pelo Jornal Nacional. O livro escrito pelo jornalista da Globo, Vladimir Netto, sobre a Lava Jato e Sérgio Moro, está no topo dos livros mais vendidos, e a ‘isenção jornalística’, outro mito, faz com que todos aqueles que leiam, tirem a conclusão de que a Lava Jato está salvando o Brasil.

Os poderes de Sérgio Moro e da ‘República de Curitiba’ parecem aumentar a cada nova força-tarefa. Agora ele faz palestras nas quais pessoas comuns pagam R$ 90 para ouvi-lo falar. O combate à corrupção é o tema que é capaz de unificar a classe média endividada e os 11 milhões de desempregados. Quem não vai acreditar naqueles que estão empenhados em livrar o mal que prejudica todo mundo? Quem não vai concordar em prender todos os corruptos e corruptores? Quem vai duvidar da Justiça que está acima do bem e do mal?

Como o próprio Sérgio Moro diz, existe uma corrupção sistêmica no Brasil. Essa é a parte que temos que dar razão a ele. Até porque a corrupção é parte constitutiva do sistema capitalista. Não é somente o judiciário que não é neutro, todos os poderes do Estado precisam favorecer de alguma forma os detentores do capital. A valorização exorbitante do capital não se daria sem as leis protetoras. Um banco pode, pela lei, cobrar juros astronômicos de gente muito pobre, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal pode prender um governante que preferir investir em saúde e educação do que pagar a dívida com os bancos. Mas, o capital precisa de mais, e por isso, passa por cima das leis para garantir contratos com as empresas estatais, superfatura notas, faz lobby para conseguir empréstimos com o BNDES a juros menores do que os do mercado, enfim, tem especialistas em conseguir competir e se dar bem através da rede que estabelece com os executores e legisladores de plantão.

Se a corrupção é sistêmica, porque ela não atingiria o judiciário? Se todos os governos e empresas estão dentro do sistema de corrupção, por que Sérgio Moro teve como alvo preferencial a Petrobras, as empresas da construção civil e os políticos do PT? Por que não existe investigação sobre os bancos? Por que não existe investigação sobre as redes de televisão? Por que não existe investigação no mesmo grau sobre os políticos do PMDB e PSDB? Romero Jucá e Renan Calheiros, ambos do PMDB, continuam sem ser indiciados pela Lava Jato. Da lista dos 49 políticos entregues por Janot em 2015, apenas três denúncias foram acatadas, enquanto isso, Sérgio Moro demorou apenas seis dias para acatar a denúncia contra o ex-presidente Lula. Dois pesos e duas medidas?

Esta semana se articulou uma tentativa de acordão na Câmara dos Deputados para anistiar aqueles denunciados por caixa dois nas eleições passadas. Rapidamente, o ministro da Secretaria de Governo do Temer, Geddel Vieira, saiu em defesa dos deputados, argumentando que antes não era crime, como se o caixa dois antes fosse permitido. Há muitas respostas a serem dadas, mas não será a Lava Jato que irá nos responder. Não existe pesquisa séria sobre o tema. É necessário desvendar todos os interesses das frações burguesas que estão em jogo. Mas, aqueles que sabem do caráter de classe do Estado, não devem pedir mais Lava Jato, não devem pedir mais Sérgio Moro. Não existe um judiciário com autonomia acima das classes.

Foto: Lula Marques/ AGPT