Quem tem legitimidade para acusar Lula?

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por Valério Arcary, de São Paulo

Vou ser breve porque estou “afogando” em trabalho atrasado.
Lula não é, em minha opinião, inocente.
Mas quem pensa que seu grande crime foram as obras no triplex ou no sítio está equivocado. Ingenuidade pura.
Os crimes de Lula são outros.
A relação dos governos de coalizão liderados pelo PT com as grandes empreiteiras da construção pesada eram promíscuas e corruptas.
Não creio que haja qualquer razão para duvidar de que elas financiaram, eleitoralmente, o PT.
Mas os inimigos de nossos inimigos não são nossos amigos.
Tenho repulsa por teorias conspirativas.
Não é, contudo, acidental que o indiciamento de Lula venha na sequência da perda de mandato de Eduardo Cunha.
Era preciso limpar o caminho para dar uma aparência de neutralidade. Primeiro, a limpeza no legislativo na segunda-feira.
Hoje a iniciativa da Procuradoria.
Não me alegra ver Lula sendo indiciado por estas instituições.
Ao contrário, me provoca horror.
A classe dominante, suas mídias e seus procuradores e juízes não estão perseguindo o Lula que foi presidente.
Eles o admiram. Passaram muitos anos elogiando a sua obra.
Eles querem ver na prisão o Luís Inácio que perdeu um dedo na mão, liderou greves, fundou o PT e a CUT, desafiando o monopólio da representação política que estava nas mãos do PMDB nos anos oitenta.
Não é por aquilo que Lula fez que ele está sendo indiciado.
É por aquilo que ele, infelizmente, ainda representa na consciência de milhões de trabalhadores. Sim, infelizmente.
Me alegraria ver Lula e os dirigentes do PT sendo julgados, politicamente, pelo movimento dos trabalhadores e jovens que neles confiaram.
Nunca por aqueles que sempre governaram o Brasil ao serviço da classe dominante.
Uma esquerda socialista digna para o século XXI precisa ter instinto de classe.