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São Paulo: Elementos do raio-x da segregação

Por Carolina Freitas, de São Paulo

São Paulo e sua região metropolitana tem a maior concentração de contradições do continente. O maior Produto Interno Bruto da América do Sul, São Paulo é a décima cidade mais rica do mundo, mas sabemos que toda essa riqueza é historicamente apropriada de maneira privada, remetida para fora ou concentrada em poucas mãos dos segmentos do capital, que muitas vezes usam a cidade como seu próprio artefato de lucro e renda.

É este o fato determinante para que não haja garantias de condições dignas de vida urbana a grande maioria de seus moradores. Seus índices de produção de riqueza de fato só perdem para suas estatísticas de desigualdades sócio-espaciais.

O Mapa das Desigualdades, feito pela Rede Nossa São Paulo no início de 2016, sugere um aumento de 11% da insatisfação dos paulistanos e paulistanas com a qualidade de vida em São Paulo: 68% da população entrevistada afirma que mudaria de cidade se pudesse.

Outra pesquisa recentemente publicada pelo Ibope mostra que a saúde representa hoje, de longe, a maior preocupação dos habitantes do município (78% consideram o principal problema que São Paulo enfrenta), seguida da educação (47%), segurança (36%) e transporte coletivo (26%).

O Mapa das Desigualdades assinala um aumento da utilização dos moradores da cidade dos serviços da saúde pública no último ano (74% dos paulistanos em comparação com os 72% de doze meses atrás). Ao mesmo tempo, a espera neste mesmo período para consultas passou de 56 a 82 dias; para a realização de exames, esse tempo subiu de 78 a 98 dias. E ainda, para procedimentos considerados complexos, o tempo de espera era de 169 dias e passou a ser de 186 dias.

Apesar do Ministério da Saúde estipular a meta de 2,5 a 3 leitos a cada mil habitantes nos serviços hospitalares, há 31 distritos na cidade com proporção de 0 leitos (entre eles, Perus, Tremembé e Jaçanã na zona norte; Cangaíba, Cidade Líder, São Lucas e São Rafael na zona leste; Pedreira, Parelheiros e Marsilac na zona sul).

Entre os distritos com índice maior que zero, a Vila Medeiros, bairro da zona norte pertencente à subprefeitura da Vila Maria, tem um índice de 0,041 leitos a cada mil habitantes. Enquanto isso, na Bela Vista, melhor indicador da cidade, há 46,45 leitos para mil habitantes, uma discrepância de 1138,45 vezes mais neste último em relação ao primeiro.

Com relação à longevidade dos habitantes, o distrito de Alto de Pinheiros sinaliza o melhor índice, com média de 79,67 de anos, enquanto que Cidade Tiradentes representa a pior medição, com 53,85 anos. Isto significa dizer que um morador do Alto de Pinheiros vive quase uma vez e meia a mais que um morador da Cidade Tiradentes!

Com relação à educação, há um déficit calculado pela própria Secretaria Municipal de 4,7 mil professores e professoras na rede. Nas escolas de educação infantil (CEIs), há falta de 1,3 mil profissionais. Os distritos com maior necessidade são Campo Limpo, seguido por Pirituba e Capela do Socorro.

No mês de maio de 2016, a demanda cadastrada para pré-escola foi de 4.230 crianças, enquanto que a de creches foi de 97.444. As regiões com as menores proporções de atendimento por demanda são M’Boi Mirim, Cidade Ademar e Campo Limpo, todas na zona sul da cidade.

No que referem os dados sobre emprego (trabalho com carteira assinada), o distrito da Barra Funda tem 361,69 vezes mais oferta do que no distrito de Marsilac. São 60.996 de empregos para cada 10 mil habitantes nesse distrito do centro expandido versus apenas 168,38 empregos para a mesma proporção de moradores do bairro do extremo sul da cidade.

É preciso lembrar que as desigualdades espaciais dos bairros com péssima qualidade de oportunidade, infraestrutura e serviço têm um sentido fortemente racial. Enquanto moram nas regiões mais precárias da cidade, as negras e os negros são força de trabalho dos bairros mais nobres, situados no sudoeste da cidade, verdadeiras ilhas de direitos e privilégios.

Não por acaso o bairro mais negro de São Paulo, Parelheiros, é um dos distritos com mais escassez de emprego, enquanto que Pinheiros, o bairro mais branco e quase oito vezes menos negro que o primeiro, é uma das lideranças do ranking de oportunidades. M´Boi Mirim, Cidade Tiradentes, Guaianases, Itaim Paulista e Cidade Ademar vêm logo atrás nos índices de distribuição da população negra, segundo o IBGE.

Se parássemos por aí já seria muito ruim. Acontece que essa realidade que demonstra o “raio-x” dos dados evidentemente será modificada e piorada caso aprovada a Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 241 de 2016.

Se as iniciativas de criação de um “novo regime fiscal” para o Brasil não forem barradas, estes poucos dados aqui trazidos e mais tantos índices serão drasticamente diminuídos, ano após ano.

O projeto inviabiliza qualquer aumento real no orçamento disponível para direitos sociais no prazo de vinte anos no Brasil. Modifica os critérios hoje vigentes para os gastos sociais para limitar a correção destes gastos com base na inflação no ano anterior.

Ou seja, não será possível a previsão, muito menos a realização, de aumento de investimento real em educação e saúde a partir do crescimento da demanda concreta da população, que tende ao envelhecimento e ao crescimento. A sanção para o não cumprimento deste esvaziamento sistêmico dos gastos sociais implicará, de acordo com o texto do projeto, novas restrições de orçamento para o município.

Nos resta concluir que a restrição do investimento público para direitos básicos produzirá, sem dúvida, um acirramento da despossessão e da geografia segregacionista da cidade. O “novo regime fiscal” para São Paulo tem destinatários e endereços certos.