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OPRESSÕES

O assassinato social e a ‘cura gay’

São Paulo- SP- Brasil- 29/05/2016- 20ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, na avenida Paulista. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

Por: Carlos Daniel, de São Paulo, SP

Uma decisão judicial agitou a comunidade LGBT no final neste último mês. A decisão do Tribunal Regional Federal, 2ª Região, julgou ilegal a ‘cura gay’ e validou por unanimidade a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia. Impediu o caráter cientifico desta prática criminosa.

Claro que esta decisão, pontual e isolada, não muda a realidade de dor e violência vivida pelos LGBTs no país, mas representa vitória no combate à LGBTfobia.

A decisão da 7ª turma especializada do TRF tem o efeito de impedir que um profissional de qualquer área do conhecimento afirme, no exercício da profissão, que podemos ser curados de nossa ‘viadagem’. Reconhece, por consequência, que o gênero e a orientação não estão no campo das doenças.

A justiça brasileira reconheceu só agora o que sabemos desde sempre, sob o falso argumento de sermos curados, temos nossa identidade e nosso gênero desrespeitados, nossa história destruída e, muitas vezes, nossas vidas retiradas. Sentimos na pele que estas práticas contribuem para perpetuar o preconceito. Ajudam a nos destruir.

Raul (nome fictício), um jovem de 26 anos, comemorou nas redes sociais a decisão e relembrou a tortura que passou dos 14 aos 16 anos. “Agora, mais nenhuma gay vai passar pelo que eu passei. Dois anos aguentando um psicólogo me dizendo toda semana que homem não levantava a mão, não cruzava as pernas e não falava mole”, disse. O jovem contou ter pensado até na hipótese de suicídio. “Me sentia incapaz de mudar, não havia um dia em que não pensava em colocar um fim em tudo isso. Não era uma ideia vaga de suicídio, era muito concreto, só assim poderia ser eu, em outra vida”.

Ao ler o relato, pergunto: Quantas de nós não se mataram? Quantas ao se descobrirem LGBTs não foram ‘induzidas ao suicídio’? Quantas mais não morrerão?

Comemoro a decisão, mas lembro que o avanço não impede, nem criminaliza o discurso de ódio, apenas diz que não pode ser científico, ou seja, continua a permitir que, em nome da religião, da consciência ou da liberdade preguem contra nossa existência no mundo.

Comemoro, mas sei que no Brasil se concentram cerca de 47% de todos os assassinatos das LGBTs no mundo. Também não é coincidência que 70% dos agressores e assassinos ficam ilesos sem qualquer constrangimento ou punição.

Mesmo que não sejam contabilizadas, que não entrem nas estatísticas como crimes de ódio. Todas nós conhecemos uma LGBT que foi socialmente assassinada.

Estas linhas são para homenagear as nossas que foram mortas de modo indireto pelo preconceito. Elas estão hoje e sempre presentes.

Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas