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OPRESSÕES

‘Festa na praia, use o que quiser’: Resistência das mulheres muçulmanas derruba veto ao uso do burkini

Por: Karen Capelesso, do mulheres do Mais

O Conselho de Estado da França, principal autoridade jurídica do país, acaba de suspender o decreto municipal da cidade de Villeneuve – Loubet que proibia a utilização do ‘burkini’, junção das palavras burca com biquíni, traje de banho utilizado pelas mulheres muçulmanas. Mesmo a decisão sendo direcionada a uma cidade, ela abre precedente legal para a derrubada de leis municipais similares em mais de 30 cidades francesas.

A discussão sobre a proibição do uso do burkini na França ocorreu após um evento privado voltado para mulheres muçulmanas em um parque aquático ser cancelado na cidade de Marselha. Além das cidades citadas, fatos assim ocorreram também em Cannes, Nice, e agora, por último, no dia 23 de agosto, uma mulher foi abordada na praia por policiais armados de forma truculenta e a fotos foram amplamente divulgadas nas redes sociais dividindo opiniões. De acordo com a mídia, dezenas de mulheres foram multadas por usarem burkini ou vestimenta semelhante.

Em repúdio a essas atitudes, várias ativistas muçulmanas e não muçulmanas organizaram atos em frente a sedes das embaixadas francesas. Em Londres, por exemplo, as ativistas organizaram um ato convocado pelo Facebook chamado “Festa na praia, use o que quiser” que contou com dezenas de mulheres que foram com roupas de banho, guarda-sol e até baldes de areia para protestar contra a censura e a atuação policial francesa. A partir dos protestos, a Liga de Direitos Humanos (LDH) e pelo Coletivo Contra a islamofobia (CCIF) protocolou uma denuncia pública ao Conselho de Estado da França, promovendo então o julgamento.

Segundo as autoridades francesas favoráveis a proibição, esses decretos estariam respaldados pelo principio de laicidade da França e o fato do burkini ser um símbolo da opressão feminina e do extremismo islâmico. Em declaração, o Primeiro Ministro Francês Manuel Valls, disse “não estamos em guerra contra o islã, mas o burkini é um símbolo de proselitismo religioso que aprisiona a mulher”.

Esse debate tem um peso particular na França, pois é o país em que reside a principal comunidade muçulmana na Europa, contando com mais de 5 milhões de pessoas. Decretos como estes reacendem o debate sobre a islamofobia, em um país que acabou de passar por um episódio extremamente lamentável, o ataque terrorista na cidade de Nice de autoria do Estado Islâmico que deixou 86 mortos.

Combinado com a islamofobia, a proibição do burkini é uma ação machista. Cabe lembrar que também na França, o véu e o hijab, lenço que cobre o cabelo e o pescoço das mulheres, estão proibidos em diversos lugares como, por exemplo, nas escolas. Essas proibições que se pretendem ser progressivas e libertárias são ainda mais opressoras.

Pela nossa cultura euro-centrista, achamos que a mulher muçulmana é refém do fundamentalismo religioso e necessita de leis ocidentais para libertá-las como se, por exemplo, casos de machismo e violência contra a mulher não fossem epidemias globais. Na própria França, a cada dois dias uma mulher morre vítima da violência doméstica. No Brasil, acabamos de ver levantes de mulheres contra a cultura do estupro apoiada em uma ideologia machista, evidenciada em uma pesquisa polêmica do IPEA, que motivou repulsa nas redes sociais, que demonstrou que a grande maioria da população acredita que uma mulher que está com roupa curta, merece ser estuprada. Ou seja, roupa demais como o burkini, roupa de menos como o biquíni, a questão que as mulheres são punidas independentemente da forma que estão vestidas.

A questão da mulher islâmica deve ser sim discutida, mas não por políticos franceses e suas leis islamofóbicas e machistas. A proibição do burkini fala mais sobre o machismo ocidental do que sobre o machismo mulçumano, pois, demonstra que uma das primeiras medidas para combater e dominar a cultura do outro é atacar e tentar impor uma conduta e regular o corpo da mulher.

 

 

 

 

 

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