Crônica cronosófica por uma hodologia revolucionária

Por Henrique Carneiro

Pediram-me para escrever uma coluna permanente de crônicas para este site. Aceitei e pretendo ocupar este espaço para discussões variadas hebdomadárias, ou seja, semanais, tentando evitar as imprevidências.

O gênero da crônica supõe comentários sem grande aprofundamento sobre temas da contemporaneidade num estilo em que o narrador revela apreciações e opiniões pessoais, em que nossos afetos se encontram com os assuntos candentes da atualidade para buscar um relato entre a confissão sentimental e a análise do tempo corrente.

Crônica, como a própria palavra indica, é um relato sobre o tempo. Cronos, o Titã que passou a simbolizar o deus do tempo, que depois se tornou o Saturno latino, era um ser rancoroso e cruel, que devorava os seus próprios filhos.

Conhecer o tempo começou por medi-lo, como cronometria, e daí nasceram os calendários e as observações astronômicas. Na linhagem dos poderes, a estória das dinastias se perpetuou pelas cronografias, em que se narravam os grandes feitos.

Uma cronologia já é algo que busca compreender o desenrolar dos acontecimentos inserindo-os em uma série causal compreensível.

Nestas crônicas, no entanto, buscarei refletir sobre aquilo que o historiador polonês Krysztof Pomian chamou de cronosofias, ou seja, a tentativa de entender o tempo a partir da compreensão de suas espessuras, de suas lógicas cíclicas, de sua repartição em pedaços congruentes de desenvolvimentos mais homogêneos, chamados de eras ou períodos, e tentar entender como esses trechos do tempo se sucedem a outros por meio de rupturas, clivagens ou colapsos.

Mas as minhas cronosofias serão sempre um olhar singular de um navegante do tempo, um cronauta, que reflete não só sobre a duração, mas também sobre a efemeridade ou a resiliência dos fenômenos, a partir de um foco emocional.

As emoções são o que nos movem, portanto, diante do tempo, só nos lançamos a navegar na sua voragem se pudermos tentar navegar nos fluxos, sem nos deixarmos levar inteiramente por eles, mas sem querer resistir às correntes profundas que devem ser singradas com a sabedoria dos velejadores.

Haverá também um pouco de metereologia política. Tentarei prever os ventos e as tempestades e anunciar os relâmpagos que puder observar.

Hoje, para começar, quero apenas refletir sobre a importância da hodologia.

Esta palavra se refere ao estudo das conectividades. Também pode ser entendida como a investigação dos traçados e dos percursos e seus pontos de contato. Hodo em grego significa “caminho”. Por isso, o medidor de quilometragem dos veículos é chamado de “hodômetro”.

Em neurologia, hodologia é o estudo das conectividades ou circuitos neuronais. Em informática, esse termo tem sido usado para referir-se às redes de conexões.

Gostaria de refletir sobre a política como hodologia. As formas de comunicação e de deliberação que são pressupostas pela política vêm sendo revolucionadas pela emergência das redes telemáticas, em que a multilateralidade integrativa pode solapar as hierarquias verticalizadas tradicionais da transmissão de informação.

A esfera pública cada vez mais virtualizada dos circuitos de interação humana de hoje em dia exige uma nova atitude diante do nosso tempo.

Num tempo mais adensado, com mais volume de informações e uma direcionalidade menos linear nas comunicações, creio que devemos aperfeiçoar uma investigação da hodologia política revolucionária.

Não se trata dos organogramas funcionais das organizações de esquerda, mas da necessária expansão e aferição de um trânsito comunicativo que existe objetivamente nos âmbitos sociais.

Só isso pode permitir que o que é hoje a grande obsessão mercadológica, o monitoramento dos fluxos informacionais com finalidades mercadotécnicas, possa ser também um meio de influência política anti-sistêmica.

A esquerda herdeira dos meios artesanais de comunicação que ainda vive numa época em que jornais impressos, correio e telégrafo eram os recursos disponíveis, deverá sair do isolamento sombrio da era pré-digital ou será confundida com o anacronismo e a obsolescência.

Uma mensagem de esquerda que não seja através da democratização radical dos meios de comunicação e de decisão estará fadada a repetir apenas o âmbito molecular dos pequenos círculos.

Por isso, as consultas de massa, como as que permitiram os fenômenos de Sanders, nos EUA, e de Corbyn, na Inglaterra, foram meios de integrar centenas de milhares na esfera decisória antes confinada a pequenos congressos com punhados de delegados.

Por isto, termino esta crônica com um sentimento agudo: ou a esquerda incorpora uma hodologia telemática revolucionária ou continuará a viver numa catacumba tecnológica.