Cadê as mulheres nos carros de som?

Por: Izabella Lourença, de Belo Horizonte, MG

Nas manifestações contra o governo Temer e o ajuste fiscal é importante refletirmos sobre o papel das mulheres e todos os oprimidos. Um dos ambientes mais masculinizados que encontramos na vida militante é, sem dúvidas, o carro de som das centrais sindicais nas manifestações. O carro onde os homens ditam as regras, pois são extremamente raras as vezes em que mulheres são as representantes sindicais. Muitas vezes as mulheres são as principais diretoras de suas categorias, mas quando se fala em disputa entre as lideranças sindicais, aí é coisa de homem.

É muito comum que nós mulheres, principalmente negras e jovens, fiquemos insegura ao pleitear uma fala entre as tantas representações masculinas querendo dar seu recado. Não à toa, muitas vezes as falas das mulheres e das (os) jovens ficam para o final, depois que a concorrência masculina já se esgotou, quando as pessoas já nem conseguem mais distinguir quem está falando o quê. Nesse momento, os sindicalistas fazem um apelo às mulheres e aos jovens para subir aquela escada do caminhão de som andando, ser tratadas como bibelôs pelos caras e então poder se equilibrar entre o microfone, o carro em movimento e o cara ao lado dizendo que acabou seu tempo. Isso tudo são obstáculos que, somados ao medo de cometer qualquer deslize diante de tantas pessoas, nos faz achar que não estamos aptas ou existe sempre alguém melhor para expressar nossas opiniões.

Por que lutar contra a invisibilidade feminina, negra e LGBT nas manifestações contra o ajuste fiscal e o governo Temer?
Uma coisa é certa: sem combater todas as formas de opressão não há como massificar as lutas no Brasil. O questionamento aos carros de som que junho trouxe, quando tivemos manifestações majoritariamente jovem e feminina, foi um questionamento aos ‘líderes soberanos’ que detém quase naturalmente o poder da fala e o dom de conduzir as pessoas. No movimento sindical, os homens são educados e treinados para cumprir esse papel, enquanto às mulheres cabe o papel de auxiliar. Se não invertermos essa lógica, não há jovem negra e LGBT que se identificará com o movimento que sai às ruas por direitos.

A representatividade feminina não pode ser exclusivamente no 8 de março, a de negros e negras não pode se limitar ao 20 de novembro e das LGBTs a parada do orgulho LGBT. Infelizmente, a compreensão de que todos os ataques do governo Temer e o ajuste fiscal atingem de maneira mais cruel a população oprimida ainda é formal. Assim como é formal também os discursos de que para avançar precisamos dialogar com os setores oprimidos. Na prática, o movimento continua com discursos bonitos e vazios.

O que representa a pessoa que fala faz muita diferença para quem escuta. E quem está disposto a sair às ruas precisa escutar as mulheres, os negros e negras e as LGBTs para sentir confiança que aquele movimento também é seu, para saber que esse movimento também luta contra Feliciano, contra Bolsonaro, contra Cunha, contra a bancada da bala. Às organizações políticas cabe fortalecer as (os) oprimidas (os) para enfrentar os desafios dos movimentos sociais. Às mulheres e aos jovens oprimidos que protagonizam lutas no mundo inteiro, que se apropriem dos microfones, tomem os megafones nas mãos e marchem com a alegria de saber que a esse é o seu lugar.